(versão revisada depois de muitas pauladas)
Calvinistas estão entre as tradições religiosas mais mal
compreendidas da história da Igreja. Sei perfeitamente que alguns deles fizeram
por merecer. Há calvinistas que defendem suas convicções sem caridade,
gentileza e sensibilidade para com quem diverge. Outros, não conseguem ouvir
quem não seja calvinista. Não considero essas atitudes como intrínsecas ao
calvinismo. As pessoas são assim porque lhes faltam domínio próprio e
humildade, e não porque são calvinistas. Não há nada no calvinismo que exija
que calvinistas sejam rudes, intransigentes, mal educados, excessivamente
críticos e arrogantes.
Boa parte das acusações que têm sido feitas aos calvinistas,
além de serem generalizações injustas, parecem proceder de uma falta de
conhecimento adequado do que os calvinistas realmente acreditam. Como não falo
por todos, vou dizer o que eu penso sobre alguns desses pontos mais polêmicos.
Para começar, o calvinismo não é um bloco monolítico. Há
várias correntes dentro dele. Todas se vêem como legítimas herdeiras do legado
de João Calvino, desde presbiterianos liberais até puritanos modernos.
Considero-me um calvinista dentro da tradição teológica que elaborou e até hoje
mantém a Confissão de Fé de Westminster, muito similar às demais confissões
reformadas dos batistas, congregacionais, episcopais e reformados.
1 – Creio que Deus predestinou tudo o que acontece, mas não
sou determinista. O Deus que determinou todas as coisas é um Deus pessoal,
inteligente, que traçou seus planos infalíveis levando em conta a responsabilidade
moral de suas criaturas. Ele não é uma força impessoal, como o destino. Não
creio que os atos da vontade e da liberdade humanas sejam mera ilusão e que
nossa sensação de liberdade ao cometê-los seja uma farsa, como o determinismo
sugere. Eu acredito que as nossas decisões e escolhas são bem reais e que fazem
a diferença. Elas não são uma brincadeira de mau gosto da parte de Deus. Os
hipercalvinistas são deterministas quando negam a responsabilidade humana ou
pregam a passividade dos cristãos diante de um futuro inexorável. Por
desconhecer essa distinção, muitos pensam que todos os calvinistas são
deterministas e que eles vêem o homem como um mero autômato.
2 – Creio que Deus é absolutamente soberano e onisciente sem
que isso, contudo, anule a responsabilidade do homem diante dele. Para mim,
isso é um mistério sem solução debaixo do sol. Não sei como Deus consegue ser
soberano sem que a vontade de suas criaturas seja violentada. Apesar disto,
convivo diariamente com essas duas verdades, pois vejo que estão reveladas lado
a lado nas Escrituras, às vezes num mesmo capítulo e até num mesmo versículo!
3 – Encaro a relação entre a soberania de Deus e a
responsabilidade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, como
a doutrina da Trindade e das duas naturezas de Cristo. A soberania de Deus e a
responsabilidade humana têm que ser mantidas juntas num só corpo, sem mistura,
sem confusão, sem fusão e sem diminuição de ambas.
4 – Creio que Deus predestinou desde a eternidade aqueles
que irão se salvar e, ao mesmo tempo, oro pelos perdidos, evangelizo e
contribuo para a obra missionária. Grandes missionários da história das missões
eram calvinistas convictos. Calvinistas pregam sermões evangelísticos e instam
para que os pecadores se arrependam e creiam. Se quiserem um bom exemplo, leiam
O Spurgeon que Foi Esquecido, de Iain Murray, publicado pela PES. Nunca as
minhas convicções sobre a predestinação me impediram de ir de porta em porta,
oferecendo o Evangelho de Cristo a todos, sem exceção. Após minha conversão, e
já calvinista, trabalhei como evangelista e plantador de igrejas durante vários
anos, em Pernambuco.
5 – Creio que Deus já sabe, mas oro assim mesmo. Sei que ele
ouve e responde, e que minhas orações fazem a diferença. Contudo, sei que ao
final, através de minhas orações, Deus terá realizado toda a sua vontade. Não
sei como ele faz isso. Mas, não me incomoda nem um pouco. Não creio que minha
oração seja um movimento ilusório no tabuleiro da predestinação divina.
6 – Não creio que Deus predestinou todos para a salvação. Da
mesma forma, não creio que ele foi injusto nem fez acepção de pessoas para com
aqueles que não foram eleitos. Não creio que Deus tenha predestinado inocentes
ao inferno, pois não há inocentes entre os membros da raça humana. E nem que
ele tenha deixado de conceder sua graça a pessoas que mereciam recebê-la, pois
igualmente não há pessoa alguma que mereça qualquer coisa de Deus, a não ser a
justa condenação por seus pecados. Deus predestinou para a salvação pecadores
perdidos, merecedores do inferno. Ao deixar de predestinar alguns, ele não
cometeu injustiça alguma, no meu entender, pois não tinha qualquer obrigação
moral, legal ou emocional de lhes oferecer qualquer coisa. Penso assim pois
entendo que a Queda de Adão veio antes da predestinação na seqüência lógica
(não na seqüência histórica) em que Deus elaborou o plano da salvação.
7 – Creio que Deus sabe o futuro, não porque previu o que ia
acontecer, mas porque já determinou tudo que acontecerá. Por isso, entendo que a
presciência de que a Bíblia fala é decorrente da predestinação, e não o
contrário. Quem nega a predestinação e insiste somente na presciência de Deus
com o alvo de proteger a liberdade do homem tem muitos problemas. Quem criou o
que Deus previu? E, se Deus conhece antecipadamente a decisão livre que um
homem vai tomar no futuro, então ela não é mais uma decisão livre. Nesse ponto,
reconheço a coerência dos socinianos e dos teólogos relacionais, que sentiram a
necessidade de negar não somente a soberania, mas também a presciência de Deus,
para poderem afirmar a plena liberdade humana.
8 – Creio que apesar de ter decretado tudo que existe desde
a eternidade, Deus acompanha a execução de seus planos dentro do tempo, e se
comunica conosco nessa condição. Quando a Bíblia fala de um jeito que parece
que Deus nem conhece o futuro e que muda de idéia o tempo todo, é Deus falando
como se estivesse dentro do tempo e acompanhando em seqüência, ao nosso lado,
os acontecimentos. É a única maneira pela qual ele pode se fazer compreensível
a nós. Quem melhor explica isso é John Frame, no livro Nenhum Outro Deus, que
vai ser lançado em março pela Editora Cultura Cristã. Minha esposa teve o
privilégio de traduzir e eu de prefaciar essa obra, que será a primeira em
português a combater a teologia relacional.
9 – Creio que Deus é soberano e bom, mas não tenho respostas
lógicas e racionais para a contradição que parece haver entre um Deus soberano
e bom que governa totalmente o universo, por um lado, e por outro, e a presença
do mal nesse universo. Diante da perversidade e dos horrores desse mundo,
alguns dizem que Deus é soberano mas não é bom, pois permite tudo isto. Outros,
que ele é bom mas não é soberano, pois não consegue impedir tais coisas. Para
mim, a Bíblia diz claramente que Deus não somente é soberano e bom – mas que
ele é santo e odeia o mal. Ao mesmo tempo, a Bíblia reconhece a presença do mal
do mundo e a realidade da dor e do sofrimento que esse mal traz. Ainda assim,
não oferece qualquer explicação sobre como essas duas realidades podem existir
ao mesmo tempo. Simplesmente pede que as recebamos, creiamos nelas e que
vivamos na certeza de que um dia ele haverá de extinguir completamente o mal e
seus efeitos nesse mundo.
10 – Estou convencido que o calvinismo é o sistema
doutrinário mais próximo daquele ensinado na Bíblia, ao mesmo tempo em que
confesso que ele não tem todas as respostas. Leio autores das mais diferentes
persuasões teológicas. Às vezes tenho sido mais desafiado e tenho aprendido
mais com livros de outras tradições. Não deixo de ouvir alguém somente porque
não é calvinista. Há calvinistas que não são assim. Contudo, é uma injustiça
acusar a todos de estreiteza, sectarismo, obscurantismo e preconceito.
Deve ter ficado claro que um calvinista, para mim, é
basicamente um cristão que tem a coragem de aceitar as coisas que a Bíblia diz
sobre a relação entre Deus e o homem e reconhecer que não tem explicações
lógicas para elas. Para muitos, esse retrato é de alguém teologicamente fraco e
no mínimo confuso. Mas, na verdade, é o retrato de quem deseja calar onde a
Bíblia se cala.
FONTE: http://tempora-mores.blogspot.com.br/2006/02/mais-de-cinco-pontos-do-meu-calvinismo.html
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