Poucas coisas
são tão desejáveis e ao mesmo tempo tão rejeitáveis do que relacionar-se com
alguém que nos conhece totalmente. Normalmente, nossos relacionamentos são com
pessoas que nos conhecem não pelo que somos e sim pelo que fazemos; com pessoas
que nos amam não porque nos conhecem, mas porque nos julgam úteis; com pessoas
de quem escondemos aquilo que realmente somos, afinal, se elas descobrissem
quem realmente somos, elas não continuariam sendo nossas amigas. A recíproca é
verdadeira.
Sendo assim,
como seria um relacionamento com alguém para quem não temos nenhum segredo? Com
quem eu não precise colocar as minhas máscaras? Com quem eu não precise
impressionar com minhas conquistas? O Salmo 139 nos fala da descoberta de um
Deus para quem não há segredos, e que mesmo assim, nos ama exatamente pelo que
somos. Essa é a grande notícia deste Salmo!
Nos primeiros
seis versículos, o salmista faz afirmações acerca do conhecimento que Deus tem
do homem. Conhecimento este que penetra os lugares mais sombrios e secretos da
alma humana, que nos coloca numa posição de completa vulnerabilidade, afinal,
Deus não apenas conhece o que fazemos e o que somos, mas Ele antecipa as nossas
ações: o que falamos, pensamos, por onde andamos e até os segredos do silêncio
do nosso quarto, são todos eles conhecidos do Senhor!
“Sabes quando me assento e quando me
levanto; de longe penetras os meus pensamentos”. (v.2)
Segundo o
salmista, o Senhor conhece os detalhes, as minúcias e insignificâncias da nossa
vida. O Criador tem os olhos fixos nas distrações que consideramos normais,
penetra o impenetrável da nossa mente, sonda os nossos pensamentos e anda
naquela região de nossa alma em que os nossos melhores amigos, os mais íntimos,
não podem entrar. O Senhor, diz-nos o salmista, avalia a nossa vida pública e a
nossa vida íntima: “Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os
meus caminhos” (v.3). Além de conhecer todas as nossas necessidades, Ele cuida
de cada um de nós: “Tu me cercas por detrás e por diante e sobre mim pões a
mão” (v.5). Que coisa impressionante e, ao mesmo tempo, sufocante, a
onisciência de Deus! Este atributo divino discerne os nossos pensamentos,
peneira os nossos sentimentos e faz com que o Senhor nos conheça melhor do que
nós mesmos (v.4)
Deus não
apenas sabe de tudo, mas Ele está em todo o lugar! Ele é onipresente! “Se subir
ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás
também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, ainda ali
a tua mão me guiará e a tua destra me susterá”. (v.8-10) Por isso que ele
começa esta segunda parte perguntando: “Para onde me ausentarei do teu
Espírito?” (v.7). É como se dissesse: “Se pego a Apollo 11, vou à lua, faço uma
viagem intergaláctica, lá estás. Se vou ao inferno, à morada da morte, lá estás
também. Se pego uma jangada e entro num rio no meio do mato, ali estás. Se faço
a viagem de Jonas, no submarino biológico e vou às regiões mais profundas dos
mares. Se entro no quarto escuro, no lugar da depressão, das luzes apagadas, lá
estás, afinal, “as trevas e a luz são iguais para Ti”. (v.12)
Além de
onisciente e onipresente, Deus é onipotente.
“Tu formaste o meu interior, tu me teceste
no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente
maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe
muito bem”. (v.13,14)
É
interessante verificar que quando pensamos no poder de Deus, o associamos ás
Cataratas do Iguaçu, à uma grande tempestade, às profundezas do oceano, à
imensidão do universo... Davi, no entanto, não faz defesa da onipotência de
Deus usando essas figuras. Para Davi, nada demonstra mais a onipotência divina
do que a existência humana. Davi fica perplexo ante o poder de Deus, que tece a
complexidade da vida interior.
O homem com
todo o conhecimento que possui, não é capaz de criar um dedo para colocar no
lugar daquele que perdeu. Enquanto isto, Deus é o Criador de toda a estrutura
física humana: “Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui
formado, e esmeradamente tecido nas profundezas da terra”. (v.15) Foi Deus quem
formou o meu temperamento, o meu lado extrovertido, melancólico, alegre,
problemático. Foi o Senhor quem criou a minha individualidade, as minhas
idiossincrasias, as minhas manias. Foi o Criador quem desenhou o meu ser, os
meus órgãos, o funcionamento do meu organismo, as milhares de células. A
individualidade humana arrebatava os pensamentos de Davi! Segundo ele, o nosso
interior é muito mais extraordinário do que qualquer coisa existente neste
mundo. O mundo interior é mais insondável que o cosmo exterior. E olha que Davi
não viu e nem conheceu 5% do que vimos e conhecemos hoje!
Segundo Davi,
outra maneira de constatar a onipotência divina é percebendo a duração da vida
que está por conta do Senhor. Deus não é apenas o Criador, o Mentor, o
Arquiteto do corpo humano, Ele é aquele que sustenta a vida humana: “No teu
livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado”.
(v.16). Ao meditar nestes atributos divinos o salmista exclama: “Tal
conhecimento é maravilhoso demais para mim”. “Que preciosos para mim, ó Deus,
são os teus pensamentos!” O salmista fica assustado, pasmo, boquiaberto diante
de tal conhecimento, diante de tal poder!
Aonde tudo
isto nos leva? Saber que Deus é onipotente, onipresente e onisciente muda o quê
em nossas vidas? O que esta compreensão nos induz a fazer, a experimentar, a
viver? De acordo com Davi, a primeira reação do homem a estes atributos divino
é ficar encantado e maravilhado: “Tal conhecimento é maravilhoso demais para
mim; elevado é, não o posso atingir”. (v.6). A segunda reação, normalmente, é a
fuga: “Para onde me ausentarei do teu Espírito?” (v.7) Como assim? Depois de
perceber a grandiosidade de Deus, por que tentar fugir do seu Espírito? O
impulso de fugir da face de Deus é tão antigo quanto a Queda. Não foi isto que
Adão e Eva fizeram quando perceberam que estavam nus? Não são raras as ocasiões
em que tentamos fugir de Deus. Tentamos do nosso jeito escapulir dele, nos
esquivar de um confronto com Ele; resguardar áreas de nossa vida onde Ele não
penetre; ter um cofre de nós mesmos, achando que Deus não possui a chave para
abri-lo. Sonhamos com um lugar onde ninguém nos conheça, um lugar onde podemos
nos esconder, uma ilha deserta, um planeta de outro sistema solar, melhor, de
outra galáxia! Desejamos algum lugar onde possamos ir e ninguém possa nos
reconhecer!
Muitos tentam
fazer isto, mas não de uma forma tão radical. Escondem-se no trabalho, numa
atividade que lhe rouba todo o tempo. Escondem-se numa terapia, num hobbie, num
novo projeto de vida. Escondem-se num relacionamento, e quando este começa a
ficar sério e profundo, pulam fora. Escondem-se numa grande igreja e quando
chegam numa comunidade pequena onde seus pecados são confrontados, caem fora. O
desejo de fugir da presença de Deus, na verdade é um desejo de fugir de nós
mesmos. Fugir de um relacionamento que revela quem somos.
Relacionar-se
com Deus é conviver com alguém para quem não há segredos. Não há nada que Ele
não saiba! Não há gestos, palavras, pensamentos, sentimentos, desejos que Deus
não conheça. Não há nada que você consiga varrer para debaixo do tapete. Seu
cônjuge não sabe, seus filhos não sabem, seus pais não sabem, seu pastor não
sabe... Mas Deus sabe! Ele sabe de tudo! Isto nos apavora!
Por que em
muitos momentos de nossas vidas, nutrimos este desejo de esconder-se e de não
encontrar-se com ninguém? Porque ao nos encontrarmos com aqueles que nos
conhecem, nos encontramos conosco mesmos. E a verdade é que desejamos nos
esconder não dos outros, mas de nós mesmos. Nós não nos suportamos! Não
aguentamos aquilo que vemos e encontramos dentro do nosso ser. Talvez seja por
isso que o relacionamento humano e pessoal é sempre algo que desejamos e rejeitamos.
E aí vivemos permanentemente neste conflito entre a solidão e a comunhão.
O problema
que o salmista enfrenta e que todos nós também enfrentamos, é que apesar de ser
nossa inclinação natural tentar nos esconder de quem nos conhece, fugir da
presença de quem sabe dos nossos segredos mais íntimos não adianta! Não adianta
porque não podemos nos esconder de Deus. Não podemos fugir daquele que é
onipresente! Não existe um único lugar onde o homem possa fugir da presença de
Deus: “Se subo aos céus, lá estás, se vou ao mais profundo abismo, lá estás
também”. A constatação assombrosa do salmista é que não há lugar no universo
onde ele possa estar absolutamente só. Este é o dilema! Aí está todo o
problema! Podemos até conseguir nos isolar das pessoas, mas não conseguimos nos
esconder de Deus. E ao contemplarmos a face de Deus, acabamos contemplando a
nossa própria face.
A boa notícia
é que este Deus que sabe perfeitamente quem somos, não nos despreza, não nos
rejeita, não nos abandona, não nos deixa para trás por causa do que somos. A
verdade libertadora do salmo encontra-se no verso 14: “Eu te louvarei, porque
de um modo tão admirável e maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas
obras, e a minha alma o sabe muito bem”. O que determina a identidade do salmista
não são os outros com suas impressões, nem o espelho com sua imagem refletida,
é a sua própria alma, que sabe muito bem o que Deus fez e como fez. O salmista
entendeu que Deus é onisciente, onipresente e onipotente. Ele percebeu que não
há a menor possibilidade de fugir da presença de Deus. O Senhor que tudo sabe,
tudo vê, tudo permeia... ama-o de forma inacreditável. Ou seja, ele não precisa
fugir. Ele não precisa se esconder. Ele
não precisa fingir ser uma pessoa que não é. Ele não precisa (e nem tem
cabimento) usar máscaras com Deus.
Compreender
esta verdade é algo libertador! A compreensão de que Deus sabe tudo a meu
respeito e, ainda assim, não me rejeita, pelo contrário, me ama com um amor
infinito, destrói os meus medos, acaba com minhas dores, extirpa os meus
traumas e complexos. Tale entendimento levanta minha baixa autoestima, aniquila
minha autocomiseração, ajuda minha auto aceitação. Foi Ele quem me fez, foi Ele
quem formou o meu interior, foi Ele quem arquitetou a minha estrutura. Sendo
assim, por que me esconder dele? Por que fugir daquele que me conhece muito bem
e ainda assim me ama? A verdade é que somente diante dEle sou aceito e amado
pelo que sou. O que o salmista está nos mostrando é o fato de que diante de
Deus, podemos ter a certeza do amor e da aceitação mesmo sendo quem somos. Tal
experiência nos encoraja a nos relacionarmos com as outras pessoas. Por causa
desta atitude divina de não nos rejeitar, mesmo sabendo quem somos, temos a
coragem de nos relacionar com o próximo, de nos abrir e mostrar quem somos.
Ninguém jamais se aventuraria a expor-se diante dos outros sem a certeza,
mínima que seja, de ser amado e aceito.
O salmo
conclui com uma oração que é também um convite para que, ao invés de fugir da
presença de Deus, façamos do nosso coração e da nossa alma o lugar da sua
habitação, da comunhão e da amizade: “Sonda-me,
ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se
há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”. (v.23,24)
SOLI DEO
GLORIA!
David Marcos Soares Ferreira
Pastor da Igreja Batista Reformada em Campos dos Goytacazes (RJ)
David Marcos Soares Ferreira
Pastor da Igreja Batista Reformada em Campos dos Goytacazes (RJ)
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