REFORMADORES EM GENEBRA

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sábado, 11 de julho de 2015

O DEUS SOBERANO QUE SE RELACIONA COM SEUS FILHOS - Comentário do Salmo 139 - por David Marcos Soares Ferreira



Poucas coisas são tão desejáveis e ao mesmo tempo tão rejeitáveis do que relacionar-se com alguém que nos conhece totalmente. Normalmente, nossos relacionamentos são com pessoas que nos conhecem não pelo que somos e sim pelo que fazemos; com pessoas que nos amam não porque nos conhecem, mas porque nos julgam úteis; com pessoas de quem escondemos aquilo que realmente somos, afinal, se elas descobrissem quem realmente somos, elas não continuariam sendo nossas amigas. A recíproca é verdadeira.
Sendo assim, como seria um relacionamento com alguém para quem não temos nenhum segredo? Com quem eu não precise colocar as minhas máscaras? Com quem eu não precise impressionar com minhas conquistas? O Salmo 139 nos fala da descoberta de um Deus para quem não há segredos, e que mesmo assim, nos ama exatamente pelo que somos. Essa é a grande notícia deste Salmo!
Nos primeiros seis versículos, o salmista faz afirmações acerca do conhecimento que Deus tem do homem. Conhecimento este que penetra os lugares mais sombrios e secretos da alma humana, que nos coloca numa posição de completa vulnerabilidade, afinal, Deus não apenas conhece o que fazemos e o que somos, mas Ele antecipa as nossas ações: o que falamos, pensamos, por onde andamos e até os segredos do silêncio do nosso quarto, são todos eles conhecidos do Senhor!
“Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos”. (v.2)
Segundo o salmista, o Senhor conhece os detalhes, as minúcias e insignificâncias da nossa vida. O Criador tem os olhos fixos nas distrações que consideramos normais, penetra o impenetrável da nossa mente, sonda os nossos pensamentos e anda naquela região de nossa alma em que os nossos melhores amigos, os mais íntimos, não podem entrar. O Senhor, diz-nos o salmista, avalia a nossa vida pública e a nossa vida íntima: “Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos” (v.3). Além de conhecer todas as nossas necessidades, Ele cuida de cada um de nós: “Tu me cercas por detrás e por diante e sobre mim pões a mão” (v.5). Que coisa impressionante e, ao mesmo tempo, sufocante, a onisciência de Deus! Este atributo divino discerne os nossos pensamentos, peneira os nossos sentimentos e faz com que o Senhor nos conheça melhor do que nós mesmos (v.4)
Deus não apenas sabe de tudo, mas Ele está em todo o lugar! Ele é onipresente! “Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, ainda ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá”. (v.8-10) Por isso que ele começa esta segunda parte perguntando: “Para onde me ausentarei do teu Espírito?” (v.7). É como se dissesse: “Se pego a Apollo 11, vou à lua, faço uma viagem intergaláctica, lá estás. Se vou ao inferno, à morada da morte, lá estás também. Se pego uma jangada e entro num rio no meio do mato, ali estás. Se faço a viagem de Jonas, no submarino biológico e vou às regiões mais profundas dos mares. Se entro no quarto escuro, no lugar da depressão, das luzes apagadas, lá estás, afinal, “as trevas e a luz são iguais para Ti”. (v.12)
Além de onisciente e onipresente, Deus é onipotente.

“Tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem”. (v.13,14)

É interessante verificar que quando pensamos no poder de Deus, o associamos ás Cataratas do Iguaçu, à uma grande tempestade, às profundezas do oceano, à imensidão do universo... Davi, no entanto, não faz defesa da onipotência de Deus usando essas figuras. Para Davi, nada demonstra mais a onipotência divina do que a existência humana. Davi fica perplexo ante o poder de Deus, que tece a complexidade da vida interior.
O homem com todo o conhecimento que possui, não é capaz de criar um dedo para colocar no lugar daquele que perdeu. Enquanto isto, Deus é o Criador de toda a estrutura física humana: “Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado, e esmeradamente tecido nas profundezas da terra”. (v.15) Foi Deus quem formou o meu temperamento, o meu lado extrovertido, melancólico, alegre, problemático. Foi o Senhor quem criou a minha individualidade, as minhas idiossincrasias, as minhas manias. Foi o Criador quem desenhou o meu ser, os meus órgãos, o funcionamento do meu organismo, as milhares de células. A individualidade humana arrebatava os pensamentos de Davi! Segundo ele, o nosso interior é muito mais extraordinário do que qualquer coisa existente neste mundo. O mundo interior é mais insondável que o cosmo exterior. E olha que Davi não viu e nem conheceu 5% do que vimos e conhecemos hoje!
Segundo Davi, outra maneira de constatar a onipotência divina é percebendo a duração da vida que está por conta do Senhor. Deus não é apenas o Criador, o Mentor, o Arquiteto do corpo humano, Ele é aquele que sustenta a vida humana: “No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado”. (v.16). Ao meditar nestes atributos divinos o salmista exclama: “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim”. “Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos!” O salmista fica assustado, pasmo, boquiaberto diante de tal conhecimento, diante de tal poder!
Aonde tudo isto nos leva? Saber que Deus é onipotente, onipresente e onisciente muda o quê em nossas vidas? O que esta compreensão nos induz a fazer, a experimentar, a viver? De acordo com Davi, a primeira reação do homem a estes atributos divino é ficar encantado e maravilhado: “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é, não o posso atingir”. (v.6). A segunda reação, normalmente, é a fuga: “Para onde me ausentarei do teu Espírito?” (v.7) Como assim? Depois de perceber a grandiosidade de Deus, por que tentar fugir do seu Espírito? O impulso de fugir da face de Deus é tão antigo quanto a Queda. Não foi isto que Adão e Eva fizeram quando perceberam que estavam nus? Não são raras as ocasiões em que tentamos fugir de Deus. Tentamos do nosso jeito escapulir dele, nos esquivar de um confronto com Ele; resguardar áreas de nossa vida onde Ele não penetre; ter um cofre de nós mesmos, achando que Deus não possui a chave para abri-lo. Sonhamos com um lugar onde ninguém nos conheça, um lugar onde podemos nos esconder, uma ilha deserta, um planeta de outro sistema solar, melhor, de outra galáxia! Desejamos algum lugar onde possamos ir e ninguém possa nos reconhecer!
Muitos tentam fazer isto, mas não de uma forma tão radical. Escondem-se no trabalho, numa atividade que lhe rouba todo o tempo. Escondem-se numa terapia, num hobbie, num novo projeto de vida. Escondem-se num relacionamento, e quando este começa a ficar sério e profundo, pulam fora. Escondem-se numa grande igreja e quando chegam numa comunidade pequena onde seus pecados são confrontados, caem fora. O desejo de fugir da presença de Deus, na verdade é um desejo de fugir de nós mesmos. Fugir de um relacionamento que revela quem somos.
Relacionar-se com Deus é conviver com alguém para quem não há segredos. Não há nada que Ele não saiba! Não há gestos, palavras, pensamentos, sentimentos, desejos que Deus não conheça. Não há nada que você consiga varrer para debaixo do tapete. Seu cônjuge não sabe, seus filhos não sabem, seus pais não sabem, seu pastor não sabe... Mas Deus sabe! Ele sabe de tudo! Isto nos apavora!
Por que em muitos momentos de nossas vidas, nutrimos este desejo de esconder-se e de não encontrar-se com ninguém? Porque ao nos encontrarmos com aqueles que nos conhecem, nos encontramos conosco mesmos. E a verdade é que desejamos nos esconder não dos outros, mas de nós mesmos. Nós não nos suportamos! Não aguentamos aquilo que vemos e encontramos dentro do nosso ser. Talvez seja por isso que o relacionamento humano e pessoal é sempre algo que desejamos e rejeitamos. E aí vivemos permanentemente neste conflito entre a solidão e a comunhão.
O problema que o salmista enfrenta e que todos nós também enfrentamos, é que apesar de ser nossa inclinação natural tentar nos esconder de quem nos conhece, fugir da presença de quem sabe dos nossos segredos mais íntimos não adianta! Não adianta porque não podemos nos esconder de Deus. Não podemos fugir daquele que é onipresente! Não existe um único lugar onde o homem possa fugir da presença de Deus: “Se subo aos céus, lá estás, se vou ao mais profundo abismo, lá estás também”. A constatação assombrosa do salmista é que não há lugar no universo onde ele possa estar absolutamente só. Este é o dilema! Aí está todo o problema! Podemos até conseguir nos isolar das pessoas, mas não conseguimos nos esconder de Deus. E ao contemplarmos a face de Deus, acabamos contemplando a nossa própria face.
A boa notícia é que este Deus que sabe perfeitamente quem somos, não nos despreza, não nos rejeita, não nos abandona, não nos deixa para trás por causa do que somos. A verdade libertadora do salmo encontra-se no verso 14: “Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem”. O que determina a identidade do salmista não são os outros com suas impressões, nem o espelho com sua imagem refletida, é a sua própria alma, que sabe muito bem o que Deus fez e como fez. O salmista entendeu que Deus é onisciente, onipresente e onipotente. Ele percebeu que não há a menor possibilidade de fugir da presença de Deus. O Senhor que tudo sabe, tudo vê, tudo permeia... ama-o de forma inacreditável. Ou seja, ele não precisa fugir. Ele não precisa se esconder.  Ele não precisa fingir ser uma pessoa que não é. Ele não precisa (e nem tem cabimento) usar máscaras com Deus.
Compreender esta verdade é algo libertador! A compreensão de que Deus sabe tudo a meu respeito e, ainda assim, não me rejeita, pelo contrário, me ama com um amor infinito, destrói os meus medos, acaba com minhas dores, extirpa os meus traumas e complexos. Tale entendimento levanta minha baixa autoestima, aniquila minha autocomiseração, ajuda minha auto aceitação. Foi Ele quem me fez, foi Ele quem formou o meu interior, foi Ele quem arquitetou a minha estrutura. Sendo assim, por que me esconder dele? Por que fugir daquele que me conhece muito bem e ainda assim me ama? A verdade é que somente diante dEle sou aceito e amado pelo que sou. O que o salmista está nos mostrando é o fato de que diante de Deus, podemos ter a certeza do amor e da aceitação mesmo sendo quem somos. Tal experiência nos encoraja a nos relacionarmos com as outras pessoas. Por causa desta atitude divina de não nos rejeitar, mesmo sabendo quem somos, temos a coragem de nos relacionar com o próximo, de nos abrir e mostrar quem somos. Ninguém jamais se aventuraria a expor-se diante dos outros sem a certeza, mínima que seja, de ser amado e aceito.
O salmo conclui com uma oração que é também um convite para que, ao invés de fugir da presença de Deus, façamos do nosso coração e da nossa alma o lugar da sua habitação, da comunhão e da amizade: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”. (v.23,24)


SOLI DEO GLORIA!

David Marcos Soares Ferreira
Pastor da Igreja Batista Reformada em Campos dos Goytacazes (RJ) 

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